A Invisibilidade da Questão Quilombola em Minas Gerais

Ricardo Álvares

O silêncio da imprensa mineira a respeito da questão quilombola é fato inconteste e traz em si um grande simbolismo: as comunidades quilombolas continuam invisíveis para grande parte da sociedade mineira.

Dia 30 de novembro último ocorreu um importantíssimo Debate Público (DP) na Assembléia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) intitulado “Regularização de Territórios Quilombolas em Minas Gerais”. Durante todo o dia representantes quilombolas, dos poderes legislativo, executivo e judiciário, pesquisadores e apoiadores discutiram intensamente o tema. O DP ocorreu por solicitação da sociedade civil, através do Grupo de Trabalho sobre Regularização de Territórios Quilombolas em Minas Gerais (GT RTQ-MG), tendo sido articulado internamente pela Comissão de Direitos Humanos, presidida pelo Deputado Durval Ângelo (PT).

Um dos objetivos do DP foi discutir um Projeto de Lei (PL 1839/2007), apresentado pela Comissão de Direitos Humanos e articulado pelo GT RTQ-MG. O objetivo principal deste PL é promover a atuação solidária do Governo de Minas Gerais para com o Governo Federal a respeito da regularização territorial quilombola no estado. Portanto, por si só, matéria de grande importância, quer se concorde ou discorde da mesma.

Não obstante, este DP foi simplesmente negligenciado pela maior parte da imprensa mineira. Este silêncio revela, em si, que passados quase 120 anos da dita abolição e já quase 20 anos do dispositivo constitucional que reconhece os direitos territoriais das comunidades quilombolas, estas continuam invisíveis para grande parte da sociedade mineira.

São raras as vezes em que estas comunidades se tornam notícia através da grande mídia mineira. E quando isso ocorre, os objetivos nem sempre são nobres. O desrespeito aos direitos fundamentais e humanos mais elementares, pelos quais muitas já passaram e continuam passando, raras vezes merece algum tipo de atenção secundária, em páginas policiais ou algo do gênero.

Um DP como o ocorrido na ALMG seria notícia relevante qualquer que fosse o seu tema. No entanto, direitos territoriais quilombolas são por demais espinhosos para se tornarem públicos por intermédio da grande imprensa, controlada direta ou indiretamente por oligarquias proprietárias de grandes extensões de terra.

Sobre odracir seravla

antropólogo; observador; um tanto quanto enrolado; ativista político por um lado, anarquista por outro; curto muito minha família, meus amigos de ontem e de hoje; não consigo viver sem música, mas odeio dançar; o dinheiro, infelizmente, é um mal necessário; tenho preocupações estéticas com o que faço, muito pouco comigo; curto montanhas, embora tenha preguiça de escalá-las; gosto de fotografar o lusco-fusco; vivo me perdendo neste mundo sem fim chamado internet e uso muitas reticências, pois acredito que nada acaba... nem com a morte...
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7 respostas para A Invisibilidade da Questão Quilombola em Minas Gerais

  1. Prof.Msc Antonio Carias Frascoli disse:

    Realmente, são invisiveis… pois é comodo para a sociedade civil organizada. No caso dos quilombos em Minas é como se não houvess… Madona mia.. O duro de engolir em minas é quando comemoram a semana de consciência NEGRA e celebam Zumbi. Cadê os os nossos lideres… será que um Kg de açúcar no Brasil-colônia valia mais que um Kg de ouro? Na minha cidade houve uma das maiores confederações quilombolas de Minas(Gampo Grande – liderada pelo Rei Ambrósio) e o poder púbrico ainda engatinha e patina sobre o assunto. Cadê os orientadores de Mestrado, Doutorado e algo do gênero para vascular os arquivos brasileros e no exterior e devolver ao povo a sua Histórioa e estórias. at. Carias

    • Edinisio Gonçalves Pereira Vieira disse:

      Caro Carias,
      Já se vão três anos. Certamente, a realidade pouco progrediu. Até quem sabe, caiu no esquecimento. Contudo, se há uma voz que clama, é porque existe uma realidade que reclama!
      Um grande abraço,
      edinisio

  2. Alexandra Santos disse:

    Caro Ricardo,

    A invisibilidade dos quilombolas vai muito mais longe… Sou mestranda pela Universidade Federral de Viçosa e trabalho com a cultura de quillombolas de Piranga-MG ( o que responde a pergunta do Prof Antonio C. Frascoli- estamos fazendo pesquisa sobre o tema) e em um levantamento preliminar para meu trabalho vi que, embora o estado de Minas Gerais tenha mais de 300 comunidade identificadas (fonte CEDEFES), em algumas delas nem mesmo os próprios quilombolas se reconhecem como tal. Isso sinaliza para o fato de que estes sujeitos estão muito distante de coonsquistarem os direitos a eles legalmente outorgados. Pergunto-me, entretanto, como tornar visível uma questão que é invisível ou inexistente até mesmo para os próprios atores sociais nela diretamente envolvidos… Creio que muito mais que divulgação na midia, um trabalho junto a estas comunidades deve ser feito, no sentido de se compreender o que eles próprios consideram como ser quilombolas e até que ponto querem assumir esta identidade…

  3. GT RTQ-MG disse:

    Alessandra,

    o desconhecimento que os membros das comunidades negras rurais têm de seus direitos e por isto não sabem informar que são quilombolas é resultante do longo processo de manutenção dos negros à margem da sociedade, excluídos de todos os direitos e tratados como se escravos fossem, ou seja, como sujeitos não jurídicos. É a manutenção da escravidão em uma sociedade de direitos.

    A visibilização da comunidade como quilombola e a afirmação da etnicidade quilombola independe da mídia pois eles não sabem que o termo quilombola se refere a eles, mesmo que as pessoas das comunidades que os circundam os afirmem como quilombos históricos ou que na própria comunidade se diga que são quilombos históricos, pela contrastividade. Tomar consciência do direito a partir da afirmação quilombola é um longo processo que necessita de mediadores (brokens como se diz na Antropologia) entre um mundo excluído dos direitos para um mundo de direitos.

    Aí entra a questão da antropologia aplicada, da antropologia cidadã, da antropologia implicada, não importa o rótulo que se dê à atuação política do antropólogo a favor daqueles onde desenvolve suas pesquisas, sendo, também, uma forma de solidariedade social em busca de uma sociedade mais justa.

    Aqui no norte de Minas, a partir da atuação de antropólogos em duas comunidades, o processo de afirmação da etinicidade quilombola tem se ampliado por muitas outras comunidades, não a partir de nosso trabalho somente, mas principalmente a partir das comunicações que são feitas nas redes de relações de parentesco que vinculam diversas comunidades negras rurais entre si. E como anéis de uma pedra que cai na água, a tomada de consciência vai abarcando outras comunidades pelas comunicações entre parentes de comunidades distintas.

    Saudações Sertanejas,
    João Batista / GT-RTQ MG

  4. Alexandra,
    o mundo é pequeno… O Dr. Ronan Eustáquio da Geografia é meu conteporâneo nos tempos de graduação na UFU – IGUGU, foi petiano e do diretório acadêmico. Procure-o.

    E, por incrível que pareça estou hoje “ceifando nos Campus da Pricesa da Campanha – Festa de N. Sra do Rosário na cidade de Monsenhor Paulo. DIGO: 11.10.2008 É FESTA na cidade depois de uma longa temporada sem-sem.. direito de manifestação. ‘Estou numa Lan House.. e na mesa esá o artigo que deveria ser lido na viagem..mas a estrada é de terra … muito solavanco… ” Patirimônio Histórico e cultural: Um novo campo de ação paa os professores” e veja o título do outro: ” A identidade cultural de fato e de direito”…. “Patrimônio imaterial: Práticas culturais na construção de identidades de grupos”… EUREKA.
    Tenho que almoçar, pois, saco vazio não para de pé… Você têm sede de quê?

    VERITAS QUAE SERA TAMEN.
    AT. Carias By kária. EmPORcalha. KARYA.

  5. Alexandra Santos disse:

    Professor Antônio Carlos,

    Procurarei, em breve, pelo professor Ronan na universidade. Quanto aos textos, fica ainda mais claro que os mediadores muito têm ( ou temos) de responsabilidade em termos de fazer os quilombolas emirgirem em nossa sociedade. O que também gera uma série de questões quanto ao preparo e à formação para o trabalho com comunidades etnicamente organizadas.
    Minha sede? Bom… muitas são as respostas. Uma possível é que tenho a sede de construir algo,de fato, significativo para o processo de visibilidade destas comunidades com as quais trabalho. Ainda que pouco, muito pouco.

  6. Prezado Ricardo Álvares

    Você está de parabéns. Sensibilizou professores, nossos revolucionários da única revolução possível.
    Valeu, malungo Carias.
    Abraço a todos

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